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Seqüestro Corporativo da Agricultura Sustentável

Nota do Editor:

Ouvi o termo �ecoagricultura' pela primeira vez usado por um cientista chinês na Radio National, da Austrália, para descrever uma abordagem combinando o melhor que a ciência moderna tem a oferecer, i.e., a modificação genética de plantas com a agricultura sustentável tradicional.

Alguns dias depois, uma moção para promover a ecoagricultura foi apresentada na agenda do próximo 3o. Congresso de Preservação Mundial (World Conservation Congress) da IUCN em Bangkok, Tailândia, (17-25 de novembro de 2004). Críticos enfurecidos a descreveram como �uma agricultura orgânica muito amistosa ao agronegócio�. Uma carta de protesto de participantes da sociedade civil em uma conferência recente sobre ecoagricultura, organizada pela IUCN em Nairobi, declarou que a �ecoagricultura é fundamentalmente incompatível com a soberania alimentar� e por isto inaceitável.

Repentinamente parece que o agronegócio está assumindo o controle sobre a �agricultura sustentável' em grande escala. As gigantes da biotecnologia Syngenta (em forma de Fundação Syngenta para Agricultura Sustentável [Syngenta Foundation for Sustainable Agriculture]) e BayerCropscience, junto com a Croplife International, uma rede global representando as indústrias de ciência das plantas, e outro agronegócio, Iniciativa pela Agricultura Sustentável (Sustainable Agriculture Initiative), tornaram-se membros da �Parceiros da Ecoagricultura (Ecoagriculture Partners)', um consórcio que inclui 12 organizações não-governamentais - entre elas a IUCN, a Rainforest Alliance, o Stakeholder Forum for our Common Future e World Association of Soil and Water Conservation � 9 organizações de pesquisa e educação - entre elas, o Programa de Suporte à Pesquisa Colaborativa do Centro Internacional para a Agricultura Tropical, a Agricultura Sustentável e o Gerenciamento dos Recursos Naturais (International Centre for Tropical Agriculture, Sustainable Agriculture and Natural Resource Management Collaborative Research Support Program) e a Fundação M. W. Swaminathan (M. W. Swaminathan Foundation) � e 4 organizações inter-governamentais, entre elas o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (United Nations Development Program � UNDP).

Os Parceiros da Ecoagricultura definem a �ecoagricultura' como �agricultura sustentável e sistemas de gerenciamento de recursos naturais associados que adotam e simultaneamente salientam a produtividade, meios de sustento rurais, serviços aos ecossistemas e a biodiversidade�.

A �Declaração de Nairobi', elaborada por participantes da recente conferência em Nairobi, Kenya, similarmente requisitou �uma estrutura que busque simultaneamente alcançar meios de sustento melhorados, preservação de biodiversidade (recursos genéticos, serviços aos ecossistemas e à flora e fauna silvestres), e produção sustentável numa escala de paisagem�; e a assegurar �que o desenvolvimento em grande escala e a adoção da ecoagricultura contribuam a alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio referentes à fome, à mitigação da pobreza, igualdade de sexos, sustentabilidade ambiental e parcerias, e a ressaltar a implementação de convenções ambientais globais por todas as nações�.

O professor Miguel Altieri da Universidade da California (University of California), em Berkeley, Estados Unidos, nos relata por quê a ecoagricultura está a milhas distante da agroecologia que pode verdadeiramente prover segurança alimentar e sustentabilidade, mitigar a pobreza e ressaltar a biodiversidade.

Agroecologia versus Ecoagricultura

O Agronegócio está adotando a �agricultura sustentável' na forma da 'ecoagricultura'. O professor Miguel Altieri explica por quê esta não é a abordagem genuína.

Referências a esta matéria foram publicadas no �ISIS members' website�. Detalhes aqui.

'Ecoagricultura' curta em ecologia

À primeira vista, ninguém poderia criticar a �Ecoagricultura' (ECOAG): a idéia de transformar sistemas agrícolas de modo que estes possam sustentar populações saudáveis de espécies silvestres enquanto simultaneamente melhorem a produtividade e reduzam a pobreza é uma situação de sucesso garantido. Isso parece particularmente importante nas áreas de tensão da biodiversidade do mundo em desenvolvimento onde a maioria dos pobres vive e que muitas vezes têm pouca opção a não ser explorar habitats silvestres para a sobrevivência.

Os proponentes afirmam que a melhor forma de reduzir o impacto ecológico da agricultura em modernização é intensificar a produção para aumentar as safras por hectare, desta forma poupando as florestas naturais da expansão agrícola. Isso requer a avaliação do papel que tecnologias emergentes podem desempenhar na ajuda ao alcance das necessidades alimentares a um custo ambiental e social razoável. Embora adotem sistemas agrícolas alternativos, de baixos insumos, os praticantes da ECOAG não se abstêm de agrossistemas intensivos com bases químicas e altas safras como parte de sua estratégia para proteger a vida silvestre enquanto alimentarem a população do mundo. Sua visão é baseada em duas suposições difundidas: (a) que as alternativas a um sistema de produção de safras quimicamente baseado necessariamente requer mais terra para produzir a mesma quantidade e (b) que as conseqüências ecológicas e de saúde da agropecuária industrial são menores em comparação às que seriam geradas caso se pusesse mais terra sob cultivo. Sabe-se bem que a adoção de sistemas de produção intensivos de safras em larga escala e quimicamente baseados, tem maiores impactos negativos sobre a biodiversidade, mas menos conhecido é o fato de que tal modelo de produção factualmente impede as tentativas de prover alimentos adequados a uma população mundial crescente.

O aumento maciço na produção de cinco comodidades principais (soja, arroz, cacau, café e óleo de palmeira) foi alcançado através do aumento da área plantada, bem como a produção de safra por área-unidade [1]. Ambas as estratégias resultaram em degradação ambiental e decréscimo na biodiversidade através da perda de habitats naturais, mas com mais importância, através da poluição pelo intenso uso de agroquímica. Mais de 500 milhões de kg de pesticidas são aplicados anualmente nas monoculturas do mundo � 91% dos 1,5 bilhão de hectares de terras aráveis estão sob monoculturas de grãos � para suprimir pragas, doenças e ervas invasoras (convencionalmente chamadas de "daninhas"; n.t.). Os impactos ambientais sobre a vida silvestre, polinizadores, inimigos naturais, pesca, etc., e custos sociais em envenenamentos humanos e doenças causadas pelo uso dos pesticidas alcançam US$ 8 bilhões a cada ano somente nos EUA. Tais custos são muito mais altos no mundo em desenvolvimento onde pesticidas proibidos importados do Norte ainda são amplamente usados.

Safras transgênicas e plantios em grande escala: podem elas promover os objetivos da ecoagricultura?

Plantios em grande escala e safras transgênicas estão entre as ferramentas do arsenal da ecoagricultura para alcançar os objetivos duplos de atender às necessidades alimentares globais e a preservar a biodiversidade. Em seu livro sobre Ecoagricultura, McNeely e Scherr [2] fornecem vários exemplos de intervenções que, segundo eles, podem simultaneamente atender à preservação e à produção de alimentos. Citam uma grande plantação (3.300 has) de laranjas costarriquenha que pertence à empresa Del Oro, na qual grandes parcelas de floresta tropical seca permanecem dentro ou adjacentes à fazenda, beneficiando-se assim da biodiversidade enquanto trazem ganhos econômicos substanciais à empresa. É difícil compreender como uma estratégia de preservação para grandes mamíferos e aves que requer territórios extensos pode ser compatível com uma agenda de desenvolvimento agrário para pequenos agricultores que apenas têm pequenos lotes de terra para produzirem suas safras. Dado que na maior parte do mundo em desenvolvimento os agricultores pobres têm pouco acesso a terras produtivas, pode-se argumentar que sejam exatamente essas fazendas muito grandes e (aparentemente; n.t.) amigáveis à biodiversidade tais como a Del Oro que devam se submeter à reforma agrária para reduzir as desigualdades sociais, um importante pré-requisito para lançar qualquer projeto de preservação significativo. De fato, dividir grandes latifúndios em um parcelamento de milhares de sítios produz as paisagens altamente heterogêneas que são fundamentais para aumentar a biodiversidade. No México, metade dos trópicos úmidos é utilizada por comunidades indígenas e �ejidos', caracterizando sistemas agroflorestais integrados visando a subsistência e os mercados locais-regionais. Pesquisas recentes confirmam que sistemas agroflorestais baseados em cacau e café manejados com baixos insumos por sitiantes abrigam biodiversidade significativa, incluindo um número substancial de espécies de plantas, insetos, aves, morcegos e outros mamíferos. A biodiversidade é mais alta nos sistemas mais rústicos de diversidade de árvores e multiestrato disseminados numa matriz de florestas tropicais [3].

Não há base científica para argumentos em favor da consolidação de conglomerados de terra para tirar proveito de maior produtividade e eficiência, bem como para preservar a biodiversidade. O oposto pode ser o caso, de acordo com os dados existentes. Sítios e fazendas são muito mais produtivos do que latifúndios. Na maioria dos países em desenvolvimento, sítios e fazendas produzem mais por área-unidade � por volta de 200 a 1.000% � do que os latifúndios. Nos EUA, os sítios e as fazendas menores � 27 acres (1 acre � 1 alqueire paulista; n.t.) ou menos � têm uma produtividade financeira dez vezes maior por acre do que os latifúndios. Enquanto nos EUA isso ocorre amplamente, pois os sitiantes tendem a se especializar em safras de altos valores como vegetais e flores, isso também reflete relativamente mais atenção devotada à fazenda, e sistemas agropecuários mais diversos [4]. Levantamentos recentes sobre produtores de café em pequena escala em Chiapas, México, revelam um importante vínculo entre o tamanho da propriedade e a tecnologia usada na produção. Produtores de café convencionais têm maiores propriedades com em média 7 hectares, e devotam a maior parte de suas terras à produção de café. Como seu sistema usa árvores de sombreamento (técnica que para as condições climáticas, de solo e topográficas locais é ecologicamente adequada, mas cujo ensaio no Brasil já causou dois desastres ambientais maiores; n.t.), ele preserva alguma biodiversidade, mas sua dependência de mercados externos para dinheiro em espécie, alimentos e insumos é muito alta, tornando tais fazendeiros muito vulneráveis aos caprichos de um sistema econômico fora de seu controle. Em contraste, pequenos produtores orgânicos com tamanhos de propriedade médios de 4 hectares têm as maiores colheitas de café, e devotam em torno de 30-50% de suas terras a milho e feijão para assegurarem alimento, pasto para os animais e partes para reservas florestais. A natureza desigual e heterogênea de tais sistemas agropecuários contribui significativamente à biodiversidade sem sacrificar a autonomia e segurança alimentar do produtor [5].

Refletindo os pontos de vista da Future Harvest Foundation, de outros doadores e da CGIAR, os defensores da ECOAG argumentam que a biotecnologia seria amigável à biodiversidade porque engenhar safras para altas colheitas evitará o avanço da fronteira agropecuária. Este ponto de vista é um legado da Revolução Verde que pressupõe que progresso e desenvolvimento inevitavelmente exijam a reposição de variedades de safra locais por variedades 'melhoradas', desta forma rompendo com os modos biodiversos tradicionais agropecuários, levando à erosão das raças de criação e seus correspondentes silvestres junto à dos conhecimentos indígenas e locais. Além disso, também presume que a integração econômica e tecnológica de sistemas agropecuários tradicionais no sistema global seja um passo positivo que possibilite uma produção maior, renda e bem-estar da comunidade.

Como nova forma da agricultura industrial, o rápido alastramento de safras transgênicas ameaça a diversidade de safras através da promoção de grandes monoculturas que resultarão numa adicional simplificação ambiental e homogeneidade genética. No mundo todo, as áreas plantadas para safras transgênicas aumentou em mais de vinte vezes nos últimos sete anos, de 3 milhões de hectares em 1996 a quase 67,7 milhões de hectares em 2003 [6], um movimento sem precedentes em direção a uma maior uniformidade agrícola [7], causando impacto adverso sobre os benefícios diretos da biodiversidade para a agricultura ao melhorar os ciclos nutricionais, controle de pragas e produtividade. Por exemplo, sabe-se que os inimigos naturais polífagos dos insetos considerados pragas que se movem entre as safras, freqüentemente encontram presas herbívoras não-alvo contendo o Bt ( Bacillus thuringiensis ) em mais de uma safra durante a temporada de produção. Inimigos naturais podem com mais freqüência entrar em contato com toxinas do Bt via herbívoros não-alvo porque as toxinas não se vinculam a receptores na membrana da tripa central nos herbívoros não-alvo [8]. Estas descobertas são problemáticas para os pequenos agricultores em países em desenvolvimento que contam com o rico complexo de predadores e parasitas associados a seus sistemas de safras mistas para o controle de pragas [9].

Estudos recentes no Reino Unido [10] mostraram que em safras resistentes a herbicidas houve uma redução na biomassa de plantas invasoras, florescimento e produção de sementes nas plantas dentro ou beirando safras de beterraba de açúcar e óleo de canola, reduzindo a abundância de herbívoros relativamente sedentários, incluindo Heteroptera , borboletas e abelhas. Havia também menos aves e besouros coprófagos predadores que se alimentam das sementes de plantas invasoras em lavouras transgênicas.

Outro problema chave com a introdução de safras transgênicas em regiões biodiversas é que o alastramento de transgenes a variedades locais favorecidas por pequenos agricultores poderia comprometer a sustentabilidade natural destas raças. Traços importantes para agricultores indígenas são a resistência à seca, o alimento ou a qualidade de forragem, habilidade competitiva, desempenho em safras mistas, qualidade de armazenamento, propriedades de paladar ou culinárias, compatibilidade com condições de trabalho doméstico, etc; enquanto qualidades transgênicas tais como resistência a herbicidas não são importantes aos agricultores [11].

Agroecologia versus ecoagricultura

A proposta da ECOAG de "esverdear" a Revolução Verde não será suficiente se as causas raíz da pobreza e desigualdade não forem confrontadas diretamente; as tensões entre desenvolvimento socialmente eqüitativo e preservação ecologicamente sadia irão se acentuar. Sistemas agrícolas orgânicos que não desafiarem plantações monoculturais e que contam com selos de certificação estrangeiros e caros, sistemas de manejo integrado de pragas e doenças que apenas reduzem o uso de inseticidas enquanto deixam o restante do pacote agroquímico intocado, ou sistemas cafeeiros de comércio eqüitativo destinados apenas à exportação, podem em alguns casos beneficiar a biodiversidade, mas geralmente oferecem muito pouco aos pequenos agricultores. O uso de insumos de precisão não colabora para mover os agricultores rumo ao reestruturamento produtivo dos agroecossistemas, mantendo-os dependentes de uma abordagem de substituição de insumos. Mercados de nicho para os ricos no Norte, além de exibir os mesmos problemas de qualquer esquema de exportação, criam uma estratificação dentro de comunidades rurais, já que apenas alguns poucos membros podem captar os benefícios dos mercados limitados de produtos refinados (gourmet) para as elites do Norte.

Diferenças profundas nas questões acima definem a divisória entre a Agroecologia (uma ciência verdadeiramente em prol dos agricultores pobres) e a Ecoagricultura. Para agroecologistas, os ambientalistas deveriam parar de ignorar assuntos referentes à distribuição de terras, direitos dos povos indígenas e agricultores, nem os impactos da globalização na segurança alimentar, e da biotecnologia na agricultura tradicional. É crucial transcender o ponto de vista Malthusiano que culpa os pobres pela degradação ambiental. De fato o impacto deles é baixo comparado aos efeitos prejudiciais das atividades econômicas de grandes proprietários de terras, companhias de mineração e madeireiras. Processos sociais tais como a pobreza e inequidade na distribuição de terras e de outros recursos forçam os pobres a se tornarem agentes da transformação ambiental, e enquanto tais processos não forem solucionados, as perspectivas de uma abordagem da ecoagricultura serão limitadas. Também é importante para os ecoagriculturalistas entenderem e respeitarem o fato de que os valores de povos indígenas podem ser diferentes dos da comunidade de preservação global, embora espécies e habitats valorizados por povos locais tenham importância global. Uma das maiores preocupações para a comunidade global é a perda alarmante da biodiversidade e serviços ambientais associados; enquanto que para as comunidades locais tais assuntos possam também ser importantes, suas preocupações, necessidades e percepções reais normalmente permanecem ocultas de estranhos que, no obstante suas boas intenções, podem às vezes adotar um modo de percepção e preservação ecoimperialista.

A abordagem agroecológica da preservação

Um desafio-chave para os agroecologistas é converter os princípios ecológicos gerais e os conceitos de manejo dos recursos naturais em aconselhamento prático diretamente relevante para as necessidades e circunstâncias dos pequenos proprietários. A estratégia precisa ser aplicável sob as condições altamente heterogêneas e diversas em que os pequenos proprietários vivem, precisa ser ambientalmente sustentável e baseada no uso de recursos locais e conhecimento indígena. Ênfase deveria ser dada à melhoria de sistemas agrícolas inteiros no nível de divisórias de campo ou água ao invés da produção de comodidades específicas.

A acentuação da biodiversidade no coração da estratégia agroecológica é a idéia de que agroecossistemas deveriam imitar os níveis da biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas locais. Como seus modelos naturais, tais sistemas podem ser produtivos, resistentes a pragas e conservadores de nutrientes. A agroecologia usa a biodiversidade para ressaltar a função agroecossistêmica, permitindo que sítios e fazendas desenvolvam sua própria fertilidade de solo, saúde de plantas e colheitas sustentadas, para isto eliminando completamente a necessidade de insumos agroquímicos externos ou tecnologias transgênicas. Como resultados das estruturas biodiversas e da ausência de produtos químicos tóxicos, biodiversidade não-funcional - espécies silvestres de interesse para a ECOAG - prosperam nestes sistemas.

Assim, em sistemas agroecológicos, a preservação é um produto da junção de agroecossistemas produtivos ricos em biodiversidade funcional - a coleção de organismos que desempenham papéis ecológicos chave - e não, como na ECOAG, o resultado de tentativas deliberadas de melhorar o habitat silvestre dentro de áreas agriculturais. Sistemas com vida silvestre rica, mas funcionalmente pobres em biodiversidade não necessariamente atendem às necessidades de pequenos agricultores em relação à diversidade alimentar, auto-suficiência produtiva, baixos investimentos, etc.

Os benefícios de sistemas agrícolas agroecologicamente integrados se estendem para além da preservação da biodiversidade por produzirem muito mais por área unidade do que as monoculturas. Embora a produtividade por área de uma safra - milho, por exemplo - possa ser mais baixa em um sítio ou fazenda do que num latifúndio de monocultura, a produção total por área unidade, muitas vezes composta de mais de uma dúzia de safras, árvores e vários produtos animais, pode ser muito mais alta. Na maioria dos sistemas de safras múltiplas desenvolvidos por pequenos proprietários, a produtividade em termos de produtos colhíveis por área unidade é mais alta que sob produções únicas com o mesmo nível de manejo. As vantagens de produtividade podem variar de 20 a 60%, devido à redução da incidência de pragas e uso mais eficiente de nutrientes, água e radiação solar. E tudo isto acontece simultaneamente com a preservação de recursos genéticos nativos das safras e a biodiversidade em sua totalidade. Não é assunto de romantizar a agricultura tradicional or de considerar o desenvolvimento em si prejudicial, mas se o interesse consiste em "melhorar" a agricultura local, os pesquisadores precisam primeiro entender e construir sobre aquela agricultura que deverá ser mudada, em vez de simplesmente substituí-la. É importante realçar o papel da agricultura tradicional como fonte de agrobiodiversidade e de técnicas agrícolas regenerativas, o que constitui a base de qualquer estratégia de desenvolvimento rural sustentável dirigida aos agricultores pobres em recursos. Além disso, diversos sistemas agriculturais que conferem altos níveis de tolerância a mudanças de condições sócio-econômicas e ambientais são extremamente valiosos para agricultores pobres, pois sistemas diversos amortecem contra variações naturais ou induzidas pelo ser humano nas condições de produção.

Um estudo de caso: harmonizando a preservação da biodiversidade e a produção de cacau

O principal objetivo deste projeto foi congruente com os objetivos da ECOAG: melhorar a produção sustentável de cacau e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade em pequenas propriedades orgânicas de cacau manejadas por povos indígenas em Talamanca, Costa Rica. A principal estratégia do projeto foi encontrar meios de simultaneamente ressaltar a produção de cacau de maneira sustentável e simultaneamente preservar a biodiversidade. O foco no cacau se justifica pelo fato de que, além de ser cultural e economicamente importante para os grupos indígenas locais da área, sabe-se bem que sistemas agroflorestais altamente diversificados e multiestruturados de cacau (CAFS) suportam níveis mais altos de diversidade biológica que a maioria das safras tropicais [12]. Um problema maior é que a permanência destes sistemas é ameaçada por baixas produções e baixos preços do cacau. Através da melhora da produtividade do cacau, o projeto visa aumentar a renda dos agricultores sem mudar para outras safras menos preservadoras de biodiversidade, tais como a banana [13].

Depois de treinar vários agricultores locais para monitorarem CAFSs, os pesquisadores confirmaram que os CAFSs abrigam biodiversidade significativa, incluindo 55 famílias, 132 gêneros e 185 espécies de plantas, além de insetos, aves (190), morcegos (36) e vários mamíferos, alguns de quais parecem estar decaindo. A biodiversidade é a mais alta nos sistemas mais rústicos, diversos em árvores e multiestruturais (por volta de 55-60% de sombreamento) e a mais baixa em CAFSs com estruturação simples (no máximo duas espécies de árvores de sombreamento com sombras de 35-40%).

Pesquisadores do Centro Agronómico Tropical de Investigación y Enseñanza (CATIE) propuseram um número de intervenções visando a melhorar a produção de cacau: podas, introdução de clones, enriquecimento com árvores frutíferas, manejo de sombreamentos, etc., enquanto ao mesmo tempo a biodiversidade fosse preservada. Após três anos de intervenções de projeto não havia evidência que CAFSs com a nova estrutura conservassem ou ressaltassem biodiversidade. Aparentemente, a biodiversidade diminui na medida em que a diversidade de plantas e a complexidade estrutural dos CAFSs diminuem, embora uma menor diversidade nos CAFSs possa ser mais desejável de um ponto de vista agronômico. A produtividade em sistemas rústicos é mais baixa do que nos CAFSs menos diversos, sugerindo um relacionamento negativo entre preservação e produção, e apresentando um maior desafio aos pesquisadores e manejadores porque como CAFSs são renovados ou intervencionados para salientar a produção (especialmente através de podas, eliminação de árvores de sombreamento e homogeneização genética com clones), níveis de biodiversidade aparentemente podem ser sacrificados. Quando se repõe as árvores existentes com novas espécies madeireiras ou fruteiras, ou se reduz a sombra através de podas ou clareamentos, é importante considerar que tais práticas podem reduzir a complexidade de habitat para a vida silvestre. Igualmente, o enriquecimento com árvores florestais ou fruteiras poderá competir com os cacaueiros existentes, e algumas árvores poderão ser fontes de pragas ou doenças.

Focalizando apenas a intensificação da produção e a diversidade da vida silvestre, os pesquisadores não levaram em consideração um relacionamento chave na agricultura camponesa em seus levantamentos: a relação entre o tamanho da propriedade, os níveis de diversidade e a produtividade. As propriedades menores (<1 ha) foram mais biodiversas e também pareceram mais produtivas do que as maiores, indicando que, dados os limites de trabalho e dinheiro, talvez exista um tamanho otimizado para uma produção eficiente (em termos de alocação de trabalho e retornos por unidade de trabalho).

Em situações como esta, agroecologistas recomendariam harmonizar a preservação e a produção em propriedades com mais de 1 ha de tamanho, através de produção de intensificação (podas, enxertos, etc.) numa pequena área otimizada de cada propriedade (0,5-0,7 has), deixando o restante da área sob manejo de insumos baixo, com altos níveis de diversidade de plantas e estruturas multiestrato para preservar a biodiversidade existente. Em uma propriedade bem manejada de 0,5 ha, os agricultores podem ser capazes de obter uma produtividade mais alta por unidade de trabalho do que em 1-1,5 ha mal manejados. Desta maneira, uma estratégia mista apresentando intensificação da produção e acentuação de preservação pode ser alcançada.

Sendo que os agricultores estão ficando cientes dos componentes da biodiversidade, seria útil que eles também fossem capazes de distinguir entre os vários tipos e grupos funcionais da biodiversidade e dos papéis que desempenham nos CAFSs:

•  grupos ecologicamente funcionais que mediam processos importantes tais como o controle biológico, polinização ou decomposição de matéria orgânica;

•  grupos funcionais de preservação que protegem o solo e a água;

•  grupos funcionais de subsistência que produzem madeira, frutas, cash, etc., e

•  biota destrutiva que reduz a produção e outros processos;

•  biodiversidade não-funcional (espécies silvestres, etc).

Desta maneira, os agricultores podem ser capazes de atingir grupos específicos de biodiversidade de acordo com as funções que querem enfatizar para manterem CAFSs sadios e produtivos. A questão que permanece é quais mecanismos estão presentes para compensar os agricultores pelos serviços ambientais de interesse para os defensores da ECOAG (biodiversidade não-funcional )? Muitos agricultores podem ser treinados para monitorar a biodiversidade e, embora possam vir a apreciar este novo conhecimento e as habilidades que ajudam a aumentar a consciência de preservação nas comunidades, a maioria dos agricultores ficaria na dúvida se a preservação de biodiversidade não-funcional lhes traria benefícios econômicos diretos.

Finalmente, uma abordagem direcionada ao crescimento da produção de cacau que ao mesmo tempo preserve a biodiversidade, precisa transcender a fazenda de cacau ao sistema agrícola total. A maioria das propriedades nas áreas de colinas têm um tamanho médio de 42 ha, ao passo que o cacau ocupa por volta de 1,6 ha, o restante é devotado a florestas, vegetação secundária, pastos e safras anuais. Em tais áreas, as estruturas das fazendas deveriam ser direcionadas à manutenção ou ao enriquecimento do ambiente em volta, conducente à preservação da biodiversidade (lotes florestais, etc.), ressaltar a segurança alimentar (reintrodução da prática de produzir feijão, arroz, cereais, mandioca, etc.), e promover outras atividades produtivas para gerar renda (mel, peixes, madeira para artesanato, plantas medicinais, etc.), incluindo o ecoturismo, porém sob controle local. As estrutura das fazendas deveriam promover a integração entre os subsistemas de modo que as produções de um subsistema se tornem insumos de outro, criando fluxos eficientes de biorecursos, como também sinergismos que possam ajudar em patrocinar a fertilidade do solo, proteção de plantas e a produtividade do cacau e das outras safras do total da fazenda.

Difundindo a abordagem agroecológica

Para difundir abordagens agroecológicas que levem à segurança alimentar e à preservação da biodiversidade, mudanças maiores precisam ser realizadas nas políticas, instituições e pesquisa, e no desenvolvimento para assegurar que intervenções agroecológicas beneficiem verdadeiramente os pequenos agricultores, dando-lhes acesso à terra e outros recursos, mercados eqüitativos e tecnologias alternativas; e mais importante, capacitando-os a se tornarem os atores em seu próprio desenvolvimento. Está claro que a reforma macroeconômica e as políticas setoriais promovidas pela liberalização do comércio não têm gerado um ambiente de apoio para agricultores pequenos e pobres. Na maioria dos casos, o crescimento agrário ficou concentrado no setor comercial e não alcançou a estes agricultores. A liberalização do comércio reduziu a proteção num momento em que os preços das comodidades estavam em baixas históricas, deixando pequenos agricultores incapazes de competirem em mercados domésticos. A queda nos preços de muitas safras e a falta de crédito, bem como as longas distâncias de mercados são todos fatores que têm levado ao aumento da pauperização do setor das pequenas propriedades. Além disso, programas e subsídios governamentais se concentraram nos médios e grandes agricultores comerciais e os pequenos agricultores permaneceram limitados em seu acesso a serviços, infra-estrutura e mercados. Tais tendências negativas precisam ser detidas de modo que não continuem a drasticamente afetar a viabilidade da agricultura camponesa e familiar.

Apesar das atuais tendências anticamponesas, a evidência mostra que sistemas agrícolas sustentáveis podem ser econômica, ambiental e socialmente viáveis e contribuir positivamente a meios de vida locais bem como à preservação da biodiversidade [14]. Mas sem apoio de políticas adequadas, é provável que permaneçam localizados em extensão. Mudanças necessárias incluem a reforma agrária, proteção de preços para safras alimentares, oportunidades de mercado apropriadas e eqüitativas, e parcerias eqüitativas entre governos locais, ONGs e agricultores substituindo os modelos "de cima para baixo" de transferência de tecnologia pelo desenvolvimento participativo de tecnologia e pesquisa e extensão de agricultor a agricultor.

Não há dúvida de que pequenos agricultores localizados nos centros de biodiversidade em todo mundo em desenvolvimento podem produzir muitos dos alimentos que precisam de formas que sejam compatíveis com os objetivos da preservação. A evidência é conclusiva: novas abordagens e tecnologias encabeçadas por agricultores , ONGs e alguns governos locais ao redor do mundo já estão dando uma contribuição suficiente à segurança alimentar nos níveis doméstico, nacional e regional. Uma variedade de abordagens agroecológicas e participatórias em muitos países mostra que a produção cresce através da diversificação, melhorando dietas e renda, contribuindo com a segurança alimentar nacional e mesmo com as exportações e também com a base da preservação dos recursos naturais, incluindo a biodiversidade [15].

Alimentar uma população mundial crescente sem comprometer ainda mais o meio ambiente natural depende do apoio público à pesquisa agronômica sustentável, educação e extensão. Pode-se esperar que alternativas a ambas, à agricultura de alta produtividade quimicamente intensiva e à agricultura sustentável extensiva em terra resultem de esforços científicos participatórios dedicados à sua descoberta e seu desenvolvimento. Somente uma fração dos bilhões de dólares para a pesquisa agronômica gastos ao longo dos últimos cinqüenta anos foi aplicada ao crescimento da produtividade de sistemas de produção sustentáveis e/ou orgânicos. Está na hora de apostar numa abordagem verdadeiramente agroecológica.

Tradução:

Kezia L'Engle & Jorge Hereth

 

 
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